Guia básico da uva e do vinho Chardonnay: Conheça os diferentes estilos, regiões produtoras e dicas de harmonização
Bem-vindo ao fascinante mundo da Chardonnay, uva que revela-se como uma verdadeira embaixadora dos vinhos brancos em todo o mundo. Originária da icônica região da Borgonha, na França, a Chardonnay tece sua história entre colinas e vales, absorvendo a riqueza do terroir que moldou seu caráter singular.
Sua versatilidade permitiu abraçar climas e solos diversos, se espalhando pelo globo e criando desde vinhos leves, frescos e minerais até os encorpados, untuosos e amadurecidos em barris.
Convidamos você a explorar conosco a fascinante Chardonnay, que além de nos presentear com um dos vinhos brancos mais apreciados, também brilha na produção de vinhos espumantes premiados no Brasil e no mundo.
Tenha uma boa leitura!
Um pouco de história
Embora esta uva seja cultivada há séculos, o auge do vinho Chardonnay ocorreu nos anos finais da década de 1980.
Inspiradas pelo estilo borgonhês, as vinícolas emergentes do Novo Mundo deram origem a Chardonnays robustos e ousados, enriquecidos pela presença de carvalho, mas, com uma diferença: introduziram a rotulagem varietal, denominando os vinhos pelo nome de sua principal variedade de uva.
Durante anos, esse estilo de Chardonnay dominou, especialmente nos Estados Unidos. Contudo, no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, ocorreu uma reviravolta. Movimentos como o “Anything but Chardonnay”, que repudiava vinhos excessivamente pesados e carregados de sabores provenientes da madeira, surgiram.
Nesse período, outras uvas brancas, como Sauvignon Blanc, Pinot Grigio e Riesling, ganharam destaque, oferecendo vinhos mais leves e frescos. Isso levou os produtores a atentarem para as preferências dos consumidores, resultando em mudanças, como a priorização do uso de tanques de aço em detrimento de barricas (ou utilizar barricas usadas no lugar de novas).
Atento a essa nova exigência do consumidor, e já pensando na exportação do vinho para mercados como EUA, Reino Unido e Holanda, a vinícola Pizzato, do sul do Brasil, ao iniciar em 2005 a produção do seu Pizzato Chardonnay, optou sabiamente pela fermentação em tanques de aço inoxidável, e pela não utilização de barricas de carvalho e técnicas como a fermentação malolática.
O resultado foi um vinho que preza pela delicadeza, franqueza e nitidez de aromas e sabores, que desde sua primeira edição foi escolhido como o mais representativo dentre os Chardonnays da avaliação nacional de vinhos.
Um vinho, dois estilos
A Chardonnay é uma tela em branco para os enólogos, dada sua diversidade de estilos de vinificação.
De um lado, temos vinhos leves, minerais e secos, provenientes de regiões com climas mais frescos, fermentados e amadurecidos em tanques de aço inoxidável para preservar a frescura da fruta. Do outro lado, encontramos os vinhos encorpados e cremosos, mais comuns em regiões de clima quente, elaborados em barricas novas de carvalho, que utilizam-se de técnicas como fermentação malolática e agitação das borras para conferir ao vinho uma riqueza única.
O primeiro estilo ostenta maior acidez, com sabores de maçã verde e limão, enquanto o segundo exibe menor acidez, destacando-se por notas de frutas tropicais, como abacaxi, goiaba e manga, além de nuances de baunilha, manteiga e coco, provenientes das barricas de carvalho.
A principal uva branca da Borgonha e os encantos de Chablis
Reproduzindo as palavras da especialista e crítica de vinhos Jancis Robinson, é na Côte d’Or, coração da Borgonha, que a Chardonnay revela sua singularidade, como em nenhuma outra região.
Montrachet, Puligny-Montrachet, Chassagne-Montrachet, Meursault e Corton-Charlemagne são algumas das áreas onde a Chardonnay atinge excelência.
Ainda na Borgonha, os solos calcários e o clima frio de Chablis possibilitam a produção de um Chardonnay distinto, mais leve e com maior acidez. Este apresenta aromas e sabores que incluem notas cítricas, maçã verde, pêssego e uma mineralidade característica conhecida como “pierre à fusil” (pedra de isqueiro).
Em Chablis, há diferentes estilos, classificados pela qualidade e método de produção: Petit Chablis, Chablis, Chablis Premier Cru e Chablis Grand Cru. Os Grand Cru representam a mais alta qualidade, provenientes dos melhores vinhedos da região.
Mesmo o Petit Chablis sendo a classificação mais básica da pirâmide de qualidade dos vinhos da região, não podemos nos esquecer que é um Chardonnay da Borgonha, com a vantagem de custar bem menos do que os demais vinhos feitos por lá.
Um exemplo desta junção de qualidade e bom preço é o Domaine du Chardonnay Petit Chablis, um Chardonnay delicado, fresco e com delicioso toque mineral, cujo produtor pratica uma agricultura “raisonnée” (minimização de uso de pesticidas), e os seus vinhos exprimem de forma pura a tipicidade do Chardonnay de Chablis. É um vinho que passa 12 meses em tanques de inox, sendo 10 meses sobre borras.
Outras regiões onde a Chardonnay se destaca
Na América, a Califórnia se destaca na produção de Chardonnay, especialmente em climas frescos como Sonoma e Central Coast. Los Carneros, frequentemente comparado a um Chardonnay de Mersault, na Borgonha, oferece terroir propício. Outras regiões em ascensão incluem Oregon e Washington.
Um dos produtores com maior destaque na produção de Chardonnay na Califórnia, é Robert Mondavi, que já foi considerado o maior nome do vinho norte-americano e o embaixador do vinho californiano. Além de ter produzido vinho, deu forte impulso à culinária, às artes e à filantropia na Califórnia. Um de seus vinhos mais destacados no mercado brasileiro é o Robert Mondavi Private Selection Chardonnay, cujos aromas lembram maçãs, peras e abacaxi, e o paladar tem um leve toque de carvalho tostado e baunilha, com notável cremosidade adquirida pela breve passagem por barricas.
Na parte sul do continente, a Chardonnay demonstrou seu potencial em regiões vinícolas mais frias e costeiras do Chile, como o Vale de Casablanca. Na Argentina, a Patagônia tem produzido rótulos muito elogiados elaborados com Chardonnay.
Na Oceania, vinhedos de altitude em Adelaide Hills e as correntes oceânicas de Yarra Valley, na Austrália, permitem a produção de Chardonnay de alta qualidade, com acidez elevada para uma boa longevidade em garrafa. Na Nova Zelândia, apesar da fama do Sauvignon Blanc, também há excelentes Chardonnays, como na região de Marlborough.
Utilização em espumantes de alta qualidade
Além dos vinhos tranquilos, a Chardonnay é uma presença marcante na produção de espumantes de alta qualidade, especialmente em Champagne, na França.
A uva é comumente utilizada em cortes com uvas tintas como Pinot Noir e/ou Pinot Meunier, mas também brilha sozinha nos espumantes “Blanc de Blancs”, elaborados exclusivamente com uvas brancas.
Os espumantes Blanc de Blancs são reconhecidos por sua elegância, frescor e acidez vibrante. Quando feitos apenas com Chardonnay, apresentam aromas cítricos, maçã verde, notas florais e uma atraente mineralidade.
Além de Champagne, produtores nos Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia e Brasil também cultivam e utilizam a Chardonnay na produção de espumantes de alta qualidade. Nas Denominações de Origem Vale dos Vinhedos e Pinto Bandeira, a Chardonnay destaca-se como a principal uva branca autorizada. Vinícolas como a Cave Geisse são referência na produção de espumantes 100% Chardonnay, como o Cave Geisse Blanc de Blanc, que já figurou entre os Tops 10 Vinhos da América do Sul pela Revista Forbes.
Versatilidade gastronômica
Graças à sua diversidade de estilos, os vinhos Chardonnay são extraordinariamente versáteis à mesa. Podem harmonizar desde saladas, carnes magras de aves e frutos do mar até pratos mais robustos e gordurosos, como massas com molhos de queijos e peixes ricos em sabor.
Uma harmonização clássica para o Chablis é servir ostras frescas com limão e molho de mignonette. A leveza, frescor e mineralidade do vinho combinam perfeitamente com os sabores marítimos das ostras.
Para um Chardonnay mais encorpado e untuoso, com passagem por barricas de carvalho, são recomendados pratos mais ricos em gordura e cremosidade, como bacalhau com natas ou camarão internacional.
Algumas curiosidades
1. A Chardonnay resulta do cruzamento entre a tinta Pinot Noir e a menos conhecida uva branca Gouais Blanc, variedade popular na Borgonha durante a Idade Média e responsável por gerar diversas uvas viníferas, incluindo a branca Riesling.
2. Frequentemente chamada de “rainha das uvas brancas”, a Chardonnay recebe esse título devido à sua notável versatilidade, adaptabilidade a diferentes condições de cultivo e à habilidade de produzir vinhos brancos de alta qualidade em várias regiões do mundo.
3. Em 1976, ocorreu um evento histórico com impacto significativo na indústria vinícola: O Julgamento de Paris. Um Chardonnay da vinícola californiana Chateau Montelena foi o grande vencedor, desafiando a crença estabelecida de que os vinhos franceses eram imbatíveis, colocando assim os vinhos americanos no mapa internacional.
Conclusão
Em cada taça de Chardonnay, encontramos uma jornada única através das tradições vinícolas e do trabalho apaixonado de enólogos que transformam uvas em obras-primas. Esta uva branca, originária da Borgonha, conquistou o mundo com sua versatilidade, adaptando-se a climas e solos diversos, revelando estilos completamente distintos.
A revolução do Chardonnay nas décadas passadas, marcada pelo movimento “Anything but Chardonnay”, testemunhou uma transformação na produção, incentivando a busca por equilíbrio e aprimoramento. As regiões vitivinícolas, desde a Borgonha até os vales da Califórnia, destacam-se por expressar a personalidade única da Chardonnay.
Ao explorarmos o mundo desta uva notável, deparamo-nos não apenas com a tradição enraizada nos vinhedos do velho mundo, mas também com a inovação e diversidade presentes em cada região produtora ao redor do globo.
Que cada gole seja uma homenagem à sua versatilidade, às suas raízes borgonhesas e à inesgotável paixão que permeia o mundo do vinho.
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Referências
- The End of “Anything But Chardonnay”
https://casewinelife.com/blogs/the-case-wine-life-blog/the-end-of-anything-but-chardonnay - ABC: Anything But Chardonnay?
https://advinetures.ca/blog/abc-anything-chardonnay/ - Jancis Robinson – Chardonnay
https://www.jancisrobinson.com/learn/grape-varieties/white/chardonnay - Uvas de Clima Frio: Chardonnay
https://www.enocultura.com.br/uvas-de-clima-frio-chardonnay/